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Iisto é Eurovisão - Holanda 1966 Fernando en Filippo

07/08/2014 por João Velada

Desta vez a rubrica “Isto É Eurovisão” leva-nos a recuar 48 anos, até ao Festival Eurovisão da Canção 1966.

Esta foi a 11ª edição do certame e realizou-se a 5 de Março desse ano na cidade do Luxemburgo, capital do país com o mesmo nome. O local escolhido para acolher o festival foi o Grande Auditório da RTL de Villa Louvigny, onde também teve lugar a edição de 1962 da Eurovisão. A apresentadora foi Josiane Chen, o diretor da orquestra local foi o maestro Jean Roderès e estreou-se na supervisão do concurso o britânico Clifford Brown. Por sua vez, o espetáculo de intervalo desta edição foi da responsabilidade dos Haricots Rouges, um grupo musical composto por oito membros que tocaram vários instrumentos durante cerca de cinco minutos.

Na Eurovisão de 1966 participaram 18 países, os mesmos da edição anterior, o que significa que neste ano não houve estreias nem regressos nem desistências. O sistema de votação em vigor funcionava do seguinte modo: cada país participante tinha um júri composto por dez membros e cada um deles dispunha de 3 pontos para distribuir por um máximo de três canções, mas eventualmente poderia votar em apenas duas ou mesmo só numa. Depois disto, as pontuações dos dez jurados eram somadas e a canção mais votada entre todos recebia 5 pontos por parte do júri nacional em questão, a segunda mais votada recebia 3 pontos e à terceira era atribuído somente 1 ponto. No caso de apenas uma única canção ser votada por todos os dez membros do júri, a essa seriam atribuídos todos os 9 pontos disponíveis e se só duas canções fossem votadas, então a primeira classificada receberia 6 pontos e a segunda 3, se bem que estes cenários improváveis não se verificaram.

Apenas dois artistas regressaram à Eurovisão em 1966 depois de terem participado em edições anteriores e as classificações obtidas por ambos não poderiam ter sido mais díspares: Udo Jürgens competiu pela Áustria pelo terceiro ano consecutivo e venceu finalmente o concurso, enquanto Domenico Modugno representou a Itália também pela terceira vez mas aqui partilhou o último lugar com o Mónaco, sem que tivesse recebido qualquer ponto. Assim sendo, enquanto Modugno foi incapaz de manter o enorme sucesso que tinha alcançado em 1959 com “Piove” (6º lugar) e sobretudo em 1958 com “Nel blu dipinto di blu” (3º lugar), Jürgens melhorou o 6º lugar de “Warum nur warum?” em 1964 e o 4º lugar de “Sag ihr ich lass sie grüßen” em 1965.
 

A VENCEDORA

A canção “Merci, Chérie” (“Obrigado, querida” em português) recebeu um total de 31 pontos, praticamente o dobro da pontuação atribuída à canção que ficou em 2º lugar, “Nygammal vals”, da Suécia, interpretada por Svante Thuresson e Lill Lindfors, a qual viria a apresentar o Festival da Eurovisão em 1985. Os países que votaram na Áustria e lhe permitiram assim a vitória foram a Bélgica (5), o Luxemburgo (5), a Jugoslávia (5), Portugal (1), a Espanha (1), a Suíça (3), o Mónaco (5), a Itália (3) e a França (3). Udo Jürgens interpretou a sua sentida balada ao piano e no final da emissão, imediatamente antes de repetir a canção, agradeceu aos júris nacionais pela vitória ao dizer “Merci, jury” (“Obrigado, júri”), um trocadilho com o título da sua canção que acabou por ser uma expressão que ficou famosa no meio eurovisivo. É digno de destaque o facto de que Jürgens, para além de intérprete, foi também o autor da canção, embora na elaboração da letra tenha feito parceria com Thomas Hörbiger.
O tema foi um sucesso em vários países e, para além da versão original em alemão, foram também gravadas versões em inglês, em francês, em espanhol, em italiano e até mesmo em japonês. Esta foi a primeira vitória da Áustria na Eurovisão e o país só voltaria a triunfar em 2014 graças a Conchita Wurst e à sua canção “Rise like a Phoenix”.
 

PORTUGAL

Portugal participou pela terceira vez no Festival da Eurovisão e foi representado por Madalena Iglésias, que conseguiu finalmente o passaporte para o certame depois de ter tentado a sua sorte, sem sucesso, no Festival RTP da Canção nos dois anos anteriores. A sua canção “Ele e ela” ficou apenas em 13º lugar (tal como as canções portuguesas de 1964 e de 1965), mas, apesar disso, tornou-se num autêntico clássico da música nacional e ainda hoje em dia toda a gente a conhece, não sendo poucas as versões da mesma nas vozes de diversos artistas. A Dinamarca (1) e a Espanha (5) foram os dois únicos países que pontuaram a canção portuguesa, que recebeu assim um total de 6 pontos e, independentemente da classificação alcançada, tornou-se na canção portuguesa da Eurovisão com maior pontuação recebida durante a década de 60. Madalena Iglésias gravou também uma versão do tema em espanhol, com o título “Él y ella”. Carlos Canelhas foi o autor da canção e Jorge Costa Pinto o maestro que dirigiu a orquestra durante a atuação de Portugal.

 

CURIOSIDADES

Foi em 1966 que entrou em vigor a regra que obrigava o/a intérprete de cada país a ter que cantar a sua canção apenas numa das línguas nativas da nação que representava, o que provavelmente se deveu ao facto de a canção sueca do ano anterior, “Absent friend”, ter sido interpretada exclusivamente em inglês.

A Itália e o Mónaco ficaram ambos com zero pontos no final da votação, tendo sido esta a única vez que tal lhes aconteceu (para a Itália foi mesmo a única vez que ficou em último lugar e para o Mónaco foi a segunda e última, mas na primeira ocasião, em 1959, ainda recebeu 1 ponto).

A Dinamarca, por seu lado, teve em 1966 a sua última participação antes de um longo interregno, pois viria a ausentar-se da Eurovisão durante os onze anos seguintes, regressando apenas em 1978.

Famoso ficou também o engano da apresentadora Josiane Chen ao saudar o júri britânico com um “Good night, London!” (expressão usada para despedidas e não para saudações iniciais) assim que entrou em contacto com o Reino Unido durante a votação. Apesar de se ter apercebido do erro logo a seguir e ter corrigido para “Good evening, London!” (a forma correta), não se livrou de ouvir um “Good morning, Luxembourg!” como resposta por parte do porta-voz dos votos britânicos, o que causou gargalhadas entre os presentes na sala, incluindo a própria apresentadora.

A comentar o festival em português esteve Henrique Mendes e a porta-voz do júri de Portugal foi Maria Manuela Furtado.
 

CANÇÃO EM DESTAQUE  

A primeira canção de 1966 que escolho para destacar é a que representou a Holanda, intitulada “Fernando en Filippo” (que se pode traduzir livremente para português como “Fernando e Filipe”) e defendida por Milly Scott. Esta foi a primeira mulher negra a pisar o palco da Eurovisão, apenas um ano antes de o “nosso” Eduardo Nascimento se tornar no primeiro homem negro no concurso, e foi também a primeira artista eurovisiva a cantar usando um microfone portátil na mão, em vez dos tradicionais microfones estáticos presos a um suporte fixo. O tema foi composto por Kees de Bruyn, tem letra de Gerrit den Braber e a orquestra para esta canção foi dirigida pelo maestro Dolf van der Linden. Milly Scott gravou também uma versão em inglês e outra em espanhol desta canção, para além da versão original em holandês.

O poema fala da aparente disputa de uma mulher por parte dos dois homens referidos no título da canção, os quais são bastante diferentes um do outro, incluindo na forma como se deslocam até à cidade de San Antonio, onde vive a amada de ambos. Fernando é um guitarrista que mora na cidade de Santiago e toca as suas canções para a sua amada, mas esta acaba por trocá-lo no final por Filippo. Apesar da história desse triângulo amoroso relatada na letra, o refrão da canção é todo ele composto por uma sucessão de sílabas sem qualquer significado e pretende apenas ser humorístico. Aliás, a própria atuação tem esse carácter jocoso, uma vez que Milly Scott começa por descer as escadas que dão acesso ao palco logo no início da canção e depois no final sobe essas mesmas escadas até desaparecer atrás do palco, em ambas as ocasiões entoando o já referido refrão sem significado. Enquanto está no palco, aponta várias vezes para os dois homens que a acompanham (ambos vestidos de mariachis tocando guitarra) como sendo ambos os mencionados na letra da canção: Fernando e Filippo.

A canção não foi bem recebida e apenas os dois últimos júris a votar, os da Irlanda e do Reino Unido, pontuaram esta proposta holandesa com 1 ponto cada um, perfazendo um total de 2 pontos, o que equivaleu ao 15º lugar entre os 18 países concorrentes nesse ano. Face a este mau resultado, Milly Scott viria posteriormente a tentar justificar tal desaire com o que acreditou ter sido uma atitude racista por parte dos jurados europeus. Com racismo ou sem ele, o facto é que a canção teve, quanto a mim, o resultado que mereceu, pois, embora até tenha a sua piada, está “a anos-luz” de chegar perto da qualidade de muitas das canções concorrentes deste ano, incluindo mesmo das três que, desafortunadamente, se classificaram abaixo dela...

 

Para terminar, as minhas pontuações, de 0 a 10, para esta canção são as seguintes:

Letra: 2

Música: 2

Interpretação: 5

Apresentação em palco: 7

Visual: 1

Sensualidade: 1

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